domingo, 4 de setembro de 2011

Doença de Alzheimer causada por Paracetamol?


À primeira vista parece surrealista associar a doença de Alzheimer (DA) a um analgésico (alívio da dor) e antipirético (redução da febre) inofensivo que não necessita de receita médica. O paracetamol tem a designação de acetaminofeno nos EUA e no Canadá e é muitas vezes vendido sob o nome de marca Tylenol. Na Australásia, África, Ásia, Europa e América Central, o Panadol é a marca que se encontra com maior facilidade.

Contrariamente aos anti-inflamatórios não esteróides (AINE), como a aspirina, o ibuprofeno e o naproxeno, que reduzem a dor e a inflamação principalmente através de acção local, descobriu-se recentemente que o paracetamol actua principalmente afectando o cérebro onde bloqueia a recaptação de substâncias químicas analgésicas de tipo canábis ou endocanabinóides. Isto reduz apenas a dor sem melhorar a inflamação. Dá-nos também uma indicação da razão pela qual há mais probabilidades de associar o paracetamol a uma doença degenerativa do cérebro do que os AINE com o seu modo de acção principalmente local e as suas propriedades anti-inflamatórias.

Que o paracetamol está longe de ser inofensivo percebe-se na sua tendência para causar danos renais e hepáticos. De acordo com um estudo recente, o "uso excessivo" de acetaminofeno é a causa mais frequente de insuficiência hepática aguda nos Estados Unidos. O paracetamol tem um índice terapêutico muito estreito. O índice terapêutico de um medicamento é a relação entre a dose tóxica e a dose terapêutica. Por conseguinte, é fácil a sobredosagem com paracetamol e a maioria dos danos hepáticos resultaram de doses excessivas não intencionais, embora a sobredosagem intencional (suicídios) também seja frequente.

A toma diária máxima recomendada é de 4 gramas, mas esta quantidade já tende a causar danos no fígado, estando a FDA a contemplar, desde 2009, a redução da dose máxima recomendada. A sobredosagem de paracetamol dá origem a um número de chamadas para os centros de controlo de venenos nos EUA superior às outras chamadas relacionadas com qualqur tipo de sobredosagem com substância farmacológica. O paracetamol é especialmente tóxico para o fígado se for tomado juntamente com álcool, podendo então ser facilmente fatal. Se for tomado durante a gravidez, o paracetamol pode causar infertilidade masculina nos rapazes recém nascidos.

Se não for tratada, a sobredosagem pode conduzir a insuficiência hepática e à morte ao fim de alguns dias. O antídoto para a sobredosagem com paracetamol é a acetilcisteína (também designada por N-acetilcisteína ou NAC). Trata-se de um precursor do antioxidante glutationa que ajuda o organismo a prevenir os danos hepáticos. O paracetamol também é letal para os gatos e as cobras.

No entanto, até à década de 1970, a fenacetina era o analgésico preferido; era convertida no organismo em paracetamol como o seu ingrediente activo. Na década de 1940, registou-se um aumento acentuado de úlceras gástricas em mulheres jovens na Austrália, especialmente em Queensland e em Nova Gales do Sul, a que se seguiu uma epidemia de insuficiência renal na década de 1960. Foi igualmente reconhecido nessa altura que estes casos estavam relacionados e eram induzidos pelos analgésicos, em particular pelo consumo viciante de Bex® Powder. Inicialmente, o Bex continha aspirina, fenacetina e cafeína, mas em 1976 a fenacetina foi substituída por paracetamol. Era utilizado de uma forma viciante por mulheres de todas as idades, especialmente donas de casa, que eram incentivadas a tomar "uma chávena de chá, um Bex e a fazer uma sesta". Era também o medicamento de alteração de humor eleito pelas mulheres jovens.

A ligação com a Alzheimer

Inicialmente, a partir da década de 1880, a fenacetina, um derivado da anilina, era muito utilizada como analgésico. O consumo de fenacetina e de outros analgésicos aumentou acentuadamente depois da Segunda Guerra Mundial. Em 1971, foi publicada a primeira comunicação que associava o uso elevado de fenacetina ao desenvolvimento da doença de Alzheimer (3). Foram realizadas autópsias a uma série de pessoas que tinham morrido de doenças renais causadas pelo consumo elevado de analgésicos (nefropatia analgésica).

Foram encontradas placas senis em seis indivíduos com idades compreendidas entre os 52 e os 67 anos que tinham consumido doses elevadas de fenacetina ao longo da vida, mas não se observaram placas em dois indivíduos de 68 e 72 anos que tinham consumido quantidades semelhantes de aspirina ao longo da vida, mas que não tinham consumido fenacetina. Estas descobertas não se aplicam só à fenacetina em si, mas também ao seu metabolito activo paracetamol que eventualmente substituiu a fenacetina por ter uma toxicidade renal menor.

O resumo desta comunicação diz o seguinte: "Estudos psicométricos e psiquiátricos de oito doentes que tinham abusado de analgésicos compostos contendo fenacetina revelaram que quatro apresentavam provas definitivas e dois provas eventuais de demência orgânica. Estudos neuropatológicos de outros nove abusadores de analgésicos revelaram uma incidência surpreendentemente elevada das características histológicas da doença de Alzheimer. Sugere-se que o abuso exagerado de fenacetina pode destruir a protecção antioxidante do organismo, conduzindo à deposição prematura de lipofuscina e ao envelhecimento neuronal acelerado."

Não foi dado seguimento a este estudo por outros investigadores ou agências de saúde. Mas algum tempo depois sucedeu algo de "estranho" a Robert Jones que o fez pesquisar mais a fundo a eventual ligação entre o paracetamol e a DA. Robert Jones (PhD) trabalhou principalmente como investigador britânico do cancro até se incompatibilizar com a ordem estabelecida ao publicar o seu protocolo para o tratamento do cancro com prometazina, um anti-histamínico também conhecido como Fenergan.

O caso passou-se há vinte anos, quando Robert Jones tomou paracetamol durante cerca de 10 dias para aliviar as dores enquanto pintava a casa. Duas semanas mais tarde reparou que estava com problemas ao nível da memória de curta e de longa duração. Gradualmente estes problemas melhoraram mas, dez anos mais tarde, a mesma sequência repetiu-se. Isto despertou a sua curiosidade e começou à procura de uma eventual ligação entre o paracetamol e a DA. O resultado da sua investigação foi um artigo publicado na Medical Hypothesis em 2001. Não teve grande impacto pelo que recentemente escreveu outro: O alinhamento relativo dos historiais de certos analgésicos e da doença de Fischer-Alzheimer (F-DA) revela factores de risco farmacológico associados? Mas desta vez a comunicação nem sequer foi aceite por uma revista médica.

A cronologia da DA e do paracetamol

O termo doença de Alzheimer foi cunhado em 1910 para uma forma pouco habitual de demência de início precoce. Tinha sido reconhecida de forma independente em 1901 por Oskar Fischer em Praga e, em seguida, por Alois Alzheimer em Frankfurt. O primeiro doente de Fischer faleceu em 1903; o de Alzheimer em 1906. O córtex de cada doente apresentava lesões raras semelhantes a placas. Ambos publicaram as suas descobertas em 1907. Apesar de uma busca intensa, antes de 1907 só tinham sido descobertos 12 casos de placas em doentes com demência. Nos 5 anos seguintes, foram descobertos 115 casos novos dos quais Fischer descreveu 56.

Comparemos a cronologia destes casos que conduziram ao reconhecimento e à definição da DA com a introdução e o uso da fenacetina. Tanto a fenacetina como o paracetamol foram experimentados pela primeira vez em doentes em 1887. Nessa altura, a fenacetina tornou-se o fármaco preferido e as suas vendas estabeleceram a Bayer como uma das mais importantes empresas farmacêuticas. Inicialmente, alguns médicos recomendavam doses muito elevadas. O uso da fenacetina difundiu-se em grande escala a nível internacional como resultado da pandemia de gripe asiática de 1889-90. Ao mesmo tempo, tornou-se também aparente a sua toxicidade renal.

Comparando as linhas temporais, vemos que a introdução e o uso generalizado da fenacetina precederam em uma ou duas décadas o aparecimento súbito e a disseminação explosiva da DA. Além disso, estas vítimas iniciais da DA revelavam, geralmente, os danos renais característicos do uso excessivo da fenacetina. Outra indicação de uma eventual ligação causal é o facto estatístico de o uso de paracetamol e a incidência de DA serem, presentemente, quase duas vezes mais elevados nas mulheres do que nos homens.

Inicialmente, a fenacetina e mais tarde o paracetamol eram principalmente utilizados e produzidos nos países industrializados e é aí que a DA começou por se desenvolver. Mas em anos mais recentes (2008), a produção parou na Europa e está agora baseada principalmente na China e na Índia, que actualmente têm também as taxas de crescimento mais elevadas previstas para a DA. A produção mundial anual estimada de paracetamol é de cerca de 145.000 toneladas. É uma quantidade tremenda de comprimidos para engolir e, à dose máxima de 4 g/dia, suficiente para controlar a dor crónica de cerca de 100 milhões de pessoas. Mostra-nos também o que poderão vir a ser as taxas de incidência da DA; em 2010, existem cerca de 35 milhões de casos de DA em todo o mundo.

Walter Last

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