sábado, 5 de novembro de 2011

Por Que o Primeiro Patriarca Veio do Oeste? (SOSHISERAII) Dogen Zenji



Tradução de José Fonseca



Um dia, Mestre Shikan disse aos seus discípulos, "Estando homem pendurado num galho de árvore pela boca sobre um precipício, um monge lhe perguntou: Por que o primeiro patriarca veio do oeste? Se respondesse caia na morte, não respondendo matava o dever - o que diriam vocês?" O monge Kotosho ergueu-se. "Não quero perguntar sobre quando o homem estava na árvore, fale-nos da situação antes dele subir nela, por favor" Shikan deu uma gargalhada.
Há muitas interpretações deste koan, mas poucas o entendem bem. A maioria tateia no escuro. Se olharmos com a mente do não-pensar podemos chegar ao mesmo samadi liberto e verdadeiro de Shikan. E se nos sentarmos como ele em zazen pegaremos o sentido do koan antes mesmo dele falar. Aí, podemos usar tanto a compreensão profunda de Shikan quanto o Olho e Tesouro da Verdadeira Lei de Sakiamuni para nos ajudar a compreender por que Bodidarma veio do Oeste.
Esclareçamos o significado do koan de Shikan. O que significa "homem"? Não uma coluna de templo, não um poste de madeira nem coisa que valha. A postura do homem é a mesma dos sorridentes budas e patriarcas. Ele distingue perfeitamente sua própria forma e a forma dos outros. Ele está subindo numa árvore, não no pico do universo, nem na vara de bambu de cem metros. O precipício é de mil metros. Caindo ele ou não, são mil metros. Mas "mil metros" tem um significado muito especial. O homem pode subir mil metros ou pode descer mil metros. Tem mil metros à sua direita e à sua esquerda. Podemos dizer que tudo é "mil metros" - o homem, a árvore, o precipício. É á medida de um velho espelho, um coração ou uma estupa.
"Pendurado num galho de árvore pela boca". Que "boca"? Se formos incapazes de reconhecer a função de tal "boca" temos de achar, no duro, sua verdadeira definição. Diz o ditado, "Procure os galhos e retire as folhas". O jeito para achar o verdadeiro significado de "boca" é ir diretamente à sua essência. Ela tem de ser o foco de nosso estudo pois a vida do homem depende de sua boca e vice-versa.
Enquanto ele está pendurado no galho, a árvore nada mais é que uma árvore, seus pés são apenas seus pés. Não diríamos que os pés pisaram na árvore. A árvore, o galho, os pés e as mãos sobem por si mesmos. Embora os pés do homem possuam a habilidade de ir e vir e suas mãos possam agarrar e soltar ele balança sobre um precipício e nem pés nem mãos podem pegar a árvore. Você poderia pensar que ele está pendurado no espaço. De fato ele está pendurado no "vazio", muito melhor do que estar apenas pendurado numa árvore.
"Por que o primeiro patriarca veio do Oeste?" perguntou o monge de­baixo da árvore. Foi com se a própria árvore estives­se perguntan­do. Aqui, a árvore, o homem e a questão são os mes­mos; eles são todos iguais. Quem pergunta e quem respon­de têm a mesma importância. Ár­vo­re ques­tio­na ár­vo­re, ho­mem questiona homem, Bodi­dar­ma questiona Bo­di­dar­ma. O monge sob a árvore deve fazer a pergunta como se a sua vida tam­bém dependesse da resposta. Eis o espírito que temos de ter.
"Se responder despencará pa­ra a morte." O que isso signi­fi­ca? Sabe­mos que é possível dar uma respos­ta sem abrir a bo­ca. Porém, abrindo a boca ou não, lembre-se, ele está pen­­­­du­rado no galho. Como a fun­ção da boca não depen­de de abrir, fechar, falar ou silenci­ar, pender do galho independe dessas ações.
Abrir e fechar são ações bucais nor­mais do dia-a-dia; as­sim po­de­mos dizer que "pen­der do galho" é o estágio final de abrir ou fechar a boca. Abrir ou fe­char a boca para dar respostas aos outros é igual a pender de um galho, né? Então, o primeiro patriar­ca veio do Oeste responder perguntas dos outros? Se você deixar de res­pon­­der como alguém pendurado num galho a resposta estará in­cor­reta; não pas­sará de ob­ser­va­ções pró­pri­as e in­com­­ple­­tas. É pre­ci­so res­pon­der como ques­tão de vida ou morte.
Só se perder a vida antes de res­pon­der você pode ajudar os outros. O verdadei­ro propósito de Shikan foi ajudar os outros mesmo ao custo de sua própria vida. Antes de você dar tal res­pos­ta sua vida é estática, ador­me­cida; de­pois de res­ponder co­mo Shikan a vida torna-se vi­go­rosa e ativa. Vo­cê está real­men­te vivo pela pri­mei­ra vez e sabe falar palavras verdadeiras. Podemos res­pon­­der perguntas de outros e achar também nos­sas próprias res­postas. Além do mais, a boca que usamos pa­ra falar essas pala­vras é muito diversa da velha boca cotidiana
"Se ele não responder evita o dever”. É preciso entender que nes­­te caso a res­posta não é di­fe­ren­te da pergunta. To­dos os bu­das e patriar­cas que res­pon­de­ram ou pergunta­ram por que Bo­didarma vei­o do oes­te ba­se­a­ram suas inter­pre­tações na com­pre­ensão correta de pender de um galho pela boca.
Mestre Zen Secho Myogaku dis­se, "Se você está em cima do ga­lho é fácil encontrar o cami­nho; mas se está debaixo dele é di­ficílimo achar o caminho. Daí, responderei todas as questões co­mo se minha própria vida de­pen­desse disso. Perguntem-me o que quiserem, por favor”. Pa­re­ce que há uma separação en­tre Secho pedir uma pergunta e sua resposta mas na verdade a ques­tão segue a resposta nesta a­firmação. Agora eu tenho uma pergunta para todos os sábios de tempos passados e atuais: "O riso de Shikan é do lado de ci­ma ou de baixo do galho? Ele res­pondeu ou não a pergunta de Kotosho? Todos os monges que aqui estão preci­sam também res­pon­der esta pergunta.”

 Dito aos monges em 4 de fevereiro de 1244, no meio da montanha de Echizen.
(Capítulo 62 do Shobogenzo , Olho e Tesouro da Verdadeira Lei, edição traduzida por Kosen Nishiyama, Tokyo, 1988)
Fonte : Daissen - Portal zen-budista

Nenhum comentário:

Postar um comentário