Tradução de José Fonseca
Um dia, Mestre Shikan disse aos seus discípulos, "Estando homem pendurado num galho de árvore pela boca sobre um precipício, um monge lhe perguntou: Por que o primeiro patriarca veio do oeste? Se respondesse caia na morte, não respondendo matava o dever - o que diriam vocês?" O monge Kotosho ergueu-se. "Não quero perguntar sobre quando o homem estava na árvore, fale-nos da situação antes dele subir nela, por favor" Shikan deu uma gargalhada.
Há muitas interpretações deste koan, mas poucas o entendem bem. A maioria tateia no escuro. Se olharmos com a mente do não-pensar podemos chegar ao mesmo samadi liberto e verdadeiro de Shikan. E se nos sentarmos como ele em zazen pegaremos o sentido do koan antes mesmo dele falar. Aí, podemos usar tanto a compreensão profunda de Shikan quanto o Olho e Tesouro da Verdadeira Lei de Sakiamuni para nos ajudar a compreender por que Bodidarma veio do Oeste.
Esclareçamos o significado do koan de Shikan. O que significa "homem"? Não uma coluna de templo, não um poste de madeira nem coisa que valha. A postura do homem é a mesma dos sorridentes budas e patriarcas. Ele distingue perfeitamente sua própria forma e a forma dos outros. Ele está subindo numa árvore, não no pico do universo, nem na vara de bambu de cem metros. O precipício é de mil metros. Caindo ele ou não, são mil metros. Mas "mil metros" tem um significado muito especial. O homem pode subir mil metros ou pode descer mil metros. Tem mil metros à sua direita e à sua esquerda. Podemos dizer que tudo é "mil metros" - o homem, a árvore, o precipício. É á medida de um velho espelho, um coração ou uma estupa.
"Pendurado num galho de árvore pela boca". Que "boca"? Se formos incapazes de reconhecer a função de tal "boca" temos de achar, no duro, sua verdadeira definição. Diz o ditado, "Procure os galhos e retire as folhas". O jeito para achar o verdadeiro significado de "boca" é ir diretamente à sua essência. Ela tem de ser o foco de nosso estudo pois a vida do homem depende de sua boca e vice-versa.
Enquanto ele está pendurado no galho, a árvore nada mais é que uma árvore, seus pés são apenas seus pés. Não diríamos que os pés pisaram na árvore. A árvore, o galho, os pés e as mãos sobem por si mesmos. Embora os pés do homem possuam a habilidade de ir e vir e suas mãos possam agarrar e soltar ele balança sobre um precipício e nem pés nem mãos podem pegar a árvore. Você poderia pensar que ele está pendurado no espaço. De fato ele está pendurado no "vazio", muito melhor do que estar apenas pendurado numa árvore.
"Por que o primeiro patriarca veio do Oeste?" perguntou o monge debaixo da árvore. Foi com se a própria árvore estivesse perguntando. Aqui, a árvore, o homem e a questão são os mesmos; eles são todos iguais. Quem pergunta e quem responde têm a mesma importância. Árvore questiona árvore, homem questiona homem, Bodidarma questiona Bodidarma. O monge sob a árvore deve fazer a pergunta como se a sua vida também dependesse da resposta. Eis o espírito que temos de ter.
"Se responder despencará para a morte." O que isso significa? Sabemos que é possível dar uma resposta sem abrir a boca. Porém, abrindo a boca ou não, lembre-se, ele está pendurado no galho. Como a função da boca não depende de abrir, fechar, falar ou silenciar, pender do galho independe dessas ações.
Abrir e fechar são ações bucais normais do dia-a-dia; assim podemos dizer que "pender do galho" é o estágio final de abrir ou fechar a boca. Abrir ou fechar a boca para dar respostas aos outros é igual a pender de um galho, né? Então, o primeiro patriarca veio do Oeste responder perguntas dos outros? Se você deixar de responder como alguém pendurado num galho a resposta estará incorreta; não passará de observações próprias e incompletas. É preciso responder como questão de vida ou morte.
Só se perder a vida antes de responder você pode ajudar os outros. O verdadeiro propósito de Shikan foi ajudar os outros mesmo ao custo de sua própria vida. Antes de você dar tal resposta sua vida é estática, adormecida; depois de responder como Shikan a vida torna-se vigorosa e ativa. Você está realmente vivo pela primeira vez e sabe falar palavras verdadeiras. Podemos responder perguntas de outros e achar também nossas próprias respostas. Além do mais, a boca que usamos para falar essas palavras é muito diversa da velha boca cotidiana
"Se ele não responder evita o dever”. É preciso entender que neste caso a resposta não é diferente da pergunta. Todos os budas e patriarcas que responderam ou perguntaram por que Bodidarma veio do oeste basearam suas interpretações na compreensão correta de pender de um galho pela boca.
Mestre Zen Secho Myogaku disse, "Se você está em cima do galho é fácil encontrar o caminho; mas se está debaixo dele é dificílimo achar o caminho. Daí, responderei todas as questões como se minha própria vida dependesse disso. Perguntem-me o que quiserem, por favor”. Parece que há uma separação entre Secho pedir uma pergunta e sua resposta mas na verdade a questão segue a resposta nesta afirmação. Agora eu tenho uma pergunta para todos os sábios de tempos passados e atuais: "O riso de Shikan é do lado de cima ou de baixo do galho? Ele respondeu ou não a pergunta de Kotosho? Todos os monges que aqui estão precisam também responder esta pergunta.”
Dito aos monges em 4 de fevereiro de 1244, no meio da montanha de Echizen.
(Capítulo 62 do Shobogenzo , Olho e Tesouro da Verdadeira Lei, edição traduzida por Kosen Nishiyama, Tokyo, 1988)
Fonte : Daissen - Portal zen-budista
Nenhum comentário:
Postar um comentário