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 Filipe, o velho pescador fiel ao              profeta Nazareno, meditando bastas vezes na grandeza do Evangelho,              punha-se a monologar para dentro da própria alma. 
 
“A Boa-Nova              – dizia consigo mesmo – era indiscutivelmente um monte divino, alto              demais, porém, considerando-se as vulgaridades da existência comum.              O Mestre era, sem duvida, o Embaixador do Céu. Entretanto, os              princípios de que era portador mostravam-se transcendentes em              demasia. Como enfrentar as dificuldades e resolvê-las? Ele, que              acompanhava o Senhor, passo a passo, atravessava obstáculos imensos,              de modo a segui-Lo com fidelidade e pureza. Momentos surgiam em que,              de súbito, via esfaceladas as promessas de melhoria íntima que              formulava a si próprio. É quase impraticável a ascensão evangélica.              Os ideais, as esperanças e objetivos do Salvador permaneciam              excessivamente longínquos ao seu olhar... Se os óbices da jornada              espiritual lhe estorvavam sadios propósitos do coração, que não              ocorreria aos homens inscientes da verdade e mais frágeis que ele              mesmo?” 
 
Em razão disso, de quando em quando interpelava o              Amigo Celeste, desfechando-lhe indagações. 
 
Jesus, persuasivo              e doce, esclarecia: 
 
– Filipe, não te deixes subjugar por              semelhantes pensamentos. É indispensável instituir padrões              superiores com a revelação dos cimos, inspirando os viajores da              viela e estimulando-os, quanto for necessário... Se não descerrarmos              a beleza do píncaro, como educar o espírito que rasteja no              pântano? 
 
Não menosprezes, impensadamente, a claridade que              refulge, além... 
 
– Mas, Senhor – obtemperava o companheiro              sincero –, não será mais justo graduar as visões? O amor que              pleiteamos é universal e infinito. A maioria das criaturas, porém,              sofre estreiteza e incompreensão. Muitos homens chegam a odiar e              perseguir como se praticassem excelentes virtudes. Filósofos existem              que consomem a vida e o tempo entronizando os que sabem tiranizar. É              razoável, portanto, diminuir a luz da revelação, para que se não              ofusque o entendimento do povo. No transcurso do tempo, nossos              continuadores se encarregariam de mais amplas              informações... 
 
O Cristo sorria, benevolente, e              acrescentava: 
 
– Se as idéias redentoras de nossos              ensinamentos são focos brilhantes de cima, reconheçam que a mente do              mundo está perfeitamente habilitada a compreendê-las e              materializá-las. Não é a coroa da montanha que perturba a planície.              E se obstáculos aparecem, impedindo-nos a subida, estas dificuldades              pertencera a nós mesmos. Uma estrela beneficia sempre, convida ao              raciocínio elevado; no entanto, jamais incomoda. Não maldigas, pois              a luz, porque todo impedimento na edificação do Reino Celeste está              situado em nós mesmos. 
 
O velho irmão penetrava o terreno das              longas perquirições interiores e concluía, afirmando: 
 
–              Senhor, como eu desejava compreender claro tudo              isto! 
 
Silenciava Jesus na habitual meditarão. 
 
Certo              dia, ambos se preparavam para alcançar os cimos do Hermon, em              jornada comprida e laboriosa, quando o apóstolo, ainda em baixa              altitude, se pôs a admirar, deslumbrado, os resplendores que fluíam              da cordilheira. 
 
Terminara o lençol verdoengo e              florido. 
 
Atacaram a marcha no carreiro íngreme. 
 
Agora,              era a paisagem ressequida e nua. 
 
Pequeninos seixos              pontiagudos recheavam o caminho. 
 
Não obstante subirem              devagar, Filipe, de momento a momento, rogava pausa e, suarento e              inquieto, sentava-se à margem, a fim de alijar pedras minúsculas              que, sorrateiras, lhe penetravam as sandálias. Gastava tempo e              paciência para localizá-las entre os dedos feridos. Dezenas de              vezes, pararam, de súbito, repetindo Filipe a operação e, ao              conquistarem as eminências da serra, banhados de sol, na prodigiosa              visão da natureza em torno, o Mestre, que sempre se valia das              observações diretas para fixar as lições, explicou-lhe,              brandamente: 
 
– Como reconheces, Filipe, não foi a claridade              do alto que nos dificultou a marcha e, sim, a pedrinha modesta do              chão. O dia radioso nunca fez mal entretanto, muitas vezes, as              questões pequeninas do mundo interrompem a viagem dos homens para              Deus, Nosso Pai. Quase sempre, a fim de prosseguirmos na direção do              dever elevado e soberano, nossa alma requisita a cooperação dos              outros, tanto quanto os pés necessitam da sandália protetora nestes              caminhos escabrosos... Toda dificuldade na ascensão reside nos              problemas insignificantes da senda... Assim também, na caminhada              humana, as questões mais ínfimas, se conduzidas pela imprudência,              podem golpear duramente o coração. Observa o minuto de palestra, a              opinião erradia, o gesto impensado... Podem converter-se em              venenosas pedrinhas que cortam os pés, ameaçando-nos a estabilidade              espiritual. Entendes, agora, a importância das bagatelas em nosso              esforço diário? 
 
O pescador galileu meneou a cabeça,              significativamente, e respondeu, satisfeito: 
 
– Sim, Mestre,              agora compreendi.  | 
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