sábado, 11 de junho de 2011

A JAULA DO EGO.

Posted: 2011-06-11 23:18:07 UTC
A jaula do Ego
Os que escutaram com mística paciência o arcano da noite misteriosa, os que compreenderam o enigma que se esconde em cada coração, no ressoar de uma carruagem longínqua, em um vago eco, em um ligeiro som perdido na distância… ouçam-me!
Nos instantes de profundo silêncio, quando as coisas esquecidas, os tempos passados, surgem do fundo da memória, na hora dos mortos, na hora do repouso, estudem este capítulo do Quinto Evangelho não apenas com a mente mas também com o coração.
Como se fosse numa taça de ouro, derramo nestas linhas minhas dores de longínquas recordações e de funestas desgraças. São tristes nostalgias da minha alma ébria de flores; duelo do meu coração, triste de festas.
Mas… que quero dizer? Minh’alma… por acaso te lamentas de tantos outroras com queixas vãs? Ainda podes perseguir a fragrante rosa, o lírio, e ainda há murtas para a tua lastimosa cabeça grisalha.
A alma se agita com as vãs recordações. Cruel, imola o que ao Ego alegra, imitando Zingua, a lúbrica negra rainha de Angola.
Tu gozaste em horríveis bacanais, em néscios prazeres e no bulício mundano e agora, coitado de ti, escutas a terrível imprecação do Eclesiastes: Desgraçado de ti… Pobre Ego! O momento de paixão te enfeitiça, mas olha como chega a Quarta-Feira de Cinzas: Memento, homo.
Por isso, para a Montanha da Iniciação vão as almas seletas, como explicam Anacreonte e Omar Khayan.
O velho tempo tudo rói sem clemência e passa depressa. Cíntia, Cloe e Cidalisa saibam vencê-lo.
Na ausência do Eu além do tempo, experimentei Isso que é o Real, esse elemento que a tudo transforma radicalmente.
Viver o Real além da mente… Experimentar de forma direta aquilo que não pertence ao tempo… é algo verdadeiramente impossível de descrever com palavras.
Eu estava nesse estado conhecido no Oriente como Nirvi-Kalpa-Samádhi. Sendo um indivíduo, tinha passado para além de toda individualidade. Por um instante senti que a gota se perdia no oceano que não tem margens, mar de luz indescritível… abismo sem fundo… vazio budista cheio de glória e felicidade.
Como se descreve o que está além do tempo? Como se define o Vazio Iluminador? Samádhi fez-se demasiando profundo… a ausência absoluta do Eu, a perda total da individualidade, a impersonalização cada vez mais e mais radical, me amedrontaram.
Sim… Temor… Tive medo de perder o que sou, minha própria particularidade, meus afetos humanos… Que terrível é a aniquilação budista.
Cheio de terror e até de pavor, perdi o êxtase, entrei no tempo, me engarrafei no Eu e caí dentro da mente.
Então… ai de mim… ai, ai. Foi só então que compreendi a pesada brincadeira do Ego. Era ele quem temia e sofria pela sua própria existência. Satã, o Mim Mesmo, meu querido Ego, tinha feito com que perdesse o Samádhi. Que horror! Se tivesse sabido antes… E as pessoas que o adoram tanto, que o qualificam de divino, de sublime… como estão equivocados! Pobre humanidade!
Quando passei por essa vivência mística, era ainda muito jovem e ela, a noite, o firmamento, chamava-se Urânia.
Ah, juventude louca que joga com coisas mundanas e que vê em cada mulher uma ninfa grega, ainda que ela seja uma rubra cortesã! Tempo longínquo, mas ainda vejo flores nos laranjais verdes, impregnados de aromas, ou encantos nas velhas fragatas que chegam dos distantes mares… e teu adorado rosto desse tempo surge em minha imaginação com os primeiros pesares e os primeiros amores. Compreendi que precisava dissolver o Ego, reduzi-lo a pó, para ter direito ao êxtase.
Meu Deus! Então encontrei-me com tantos e tantos ontens. De fato, o Eu é um livro de muitos volumes. Quão difícil foi para mim a dissolução do Eu, contudo, a consegui. Fugindo do mal, muitas vezes entrei no mal e chorei.
Para que servem as vis invejas e as luxúrias, que se retorcem como répteis em suas pálidas fúrias?
Para que serve o ódio funesto dos ingratos? Para que servem os gestos arbitrários dos Pilatos?
No fundo profundo dos homens mais castos vive o Adão bíblico, ébrio de paixão carnal, saboreando com deleite o fruto proibido. A nua Frineia ainda ressurge na obra de Fídias.
E clamei muito aos céus, dizendo: Ao fauno que há em mim, dá-lhe ciência, dá-lhe essa sabedoria que faz estremecer as asas ao anjo. Pela oração e pela penitência, permita-me pôr em fuga as diabesas ruins. Dá-me, Senhor, outros olhos, não estes que gozam ao ver belas curvas e lábios vermelhos. Dá-me outra boca em que fiquem impressos para sempre os ardentes carvões do asceta e não esta boca de Adão em que vinhos e beijos loucos aumentam e multiplicam infinitamente a gula bestial.
Dá-me, Senhor, mãos de penitente e de disciplinante que me deixem o lombo em sangue e não estas mãos lúbricas de amante que acariciam as maçãs do pecado. Dá-me sangue crístico, inocente, e não este que me faz arder as veias, vibrar os nervos e ranger os ossos. Quero ficar livre da maldade e do engano, morrer em mim mesmo e sentir uma mão carinhosa que me empurre para a caverna que sempre acolhe ao ermitão.
Meus irmãos, trabalhando intensamente cheguei ao reino da Morte pelo caminho do Amor.
Ah, se esses que buscam a Iluminação viessem a compreender de verdade que a alma está engarrafada no Eu. Ah, se destruíssem o Eu, se reduzissem a poeira o querido Ego, suas almas ficariam livres de verdade… em êxtase… em contínuo Samádhi e experimentariam Isso que é a Verdade.
Quem quiser vivenciar o Real deve eliminar os elementos subjetivos das percepções. Urge saber que tais elementos constituem diversas entidades que formam o Eu. Dentro de cada um desses elementos, dorme profundamente a alma. Que dor!
(NET)

Nenhum comentário:

Postar um comentário