domingo, 21 de agosto de 2011

O mesmo céu.


  • Foi assim que o conheci. Todo dia era a mesma rotina. Sai de casa pra pegar o “buzão” e ir pro trampo. Na frente da padoca da minha rua, vi esse homem. Era novo no pedaço. Na hora que passei do lado dele, ouvi:
    • Hoje é você que vai me pagar um café!
    Não sou de dar esmola, dou um duro danado pra ganhar a minha grana e, todo dia tem alguém pedindo. Foi o jeito dele falar, sei lá. Entrei na padaria, pedi o café e um pão com manteiga. Da porta de entrada ele avisou que eu ia desperdiçar minha grana com o pão, ele só queria o café. Depois que entreguei, ele falou:
    • Brigado menina. Segue teu rumo, tenha um Bom Dia!
    Fui pro ponto, que era perto. Fiquei olhando pra ele.
    Era um homem que tinha no rosto as marcas, e a expressão, de uma vida estradeira. Sentado no chão, com suas tralhas arrumadas em um carrinho de feira, tomava o café bem devagar. Tava na maior curtição. Dava um gole, fechava os olhos, cheirava o café e, ria. Não olhava pra lado nenhum. Muito maneiro! Até o ônibus chegar, fiquei curtindo também.
    Dois dias depois, encontrei com ele de novo. Estava voltando mais tarde do trampo. Quando desci do ônibus ouvi:
    • Boa noite menina! Você tem 50 centavos “preu” comprar uma pinga?
    • Pinga?
    • Não engano ninguém, é o que quero.
    • Se eu te der 1 real, você compra um pão?
    • Não engano ninguém, você sabe o que vou fazer.
    • Comprar duas pingas?
    • Não engano ninguém.
    •  É bom comer também.
    • Eu como na hora certa e, bebo nas outras horas.
    • Você não engana ninguém.
    • Mentir pra quê? Essa é minha vida.
    • Você vem de onde?
    • De todo lugar.
    • Onde nasceu?
    • Já tive casa, não preciso contar.
    • Nem lembrar.
    • Você sabe.
    • Quantos lugares você já conheceu?
    • Vai ter que sentar.
    Perguntei se ele fumava; disse que sim. Então, acendi um cigarro, sentei ali no ponto e o convidei para fumar um comigo.
    Contou-me de suas viagens e andanças. De repente parou e disse:
    • Menina, você é uma pessoa estudada. Por que ta perdendo tempo comigo?
    • Não tô perdendo tempo. Tô aprendendo. Você viveu e conheceu coisas que eu não conheci.
    • Sou sobrevivente.
    • Você é um guerreiro da Vida.
    • Ficou emocionado. Segurou minha mão, beijou e falou.
    • Sabe o que eu aprendi?
    • Não, me conta.
    • Olha pro Céu.
    • Olhei.
    • Você ta vendo o mesmo céu que eu?
    • Tô.
    • Eu sempre pensei. E se acabar todo o Ar do Céu?
    • Todo mundo morre.
    • É isso menina. Não adianta fazer guerra, ter preconceito, ter diferenças entre nós aqui na Terra. Tá todo mundo debaixo do mesmo céu. Não temos outra casa. Devemos cuidar dela.
    Então levantou-se, me agradeceu por ouvi-lo e se foi... Nunca mais o vi.

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